Obs: Essa crítica está de fato muito grande pela necessidade de abarcar diversos aspectos da produção. As próximas serão bem menores.
Obs2: Tem spoilers. Evite se ainda não viu o filme.
De
antemão, antes de iniciar essa crítica, alguns avisos são necessários: O
primeiro deles é salientar que a DC e a Warner saem atrás, oito anos mais
precisamente, nessa “disputa” pela hegemonia dos filmes de Super-Heróis. Se antes do advento do Marvel Cinematic
Universe (MCU) as adaptações eram
esporádicas e sem um estilo narrativo e estético muito definido, a partir de
então se observou o desenvolvimento de um arquétipo para representar e desenvolver as
tramas dos filmes de Super-Heróis : Uma narrativa simples, maioria das vezes
individual, responsável por desenvolver
os personagens e apresentar, através de tópicos ou referências, a
inserção do filme em uma grande trama. Em
resumo, se partia de um filme de origem (Ahh, Hollywood e sua obsessão por
histórias de origem) para explicar as motivações do personagem, desenvolvendo-o
e inserindo - o em algo maior. Obviamente, estamos falando dos filmes da Marvel,
mas não podemos ignorar a construção transmidiática (Cinema, TV) desse rico
universo que tem o Cinema como ignição para um universo construído de forma fragmentada.
Após
esse primeiro momento narrativo, as histórias e narrativas individuais se entrelaçavam
a partir do desenvolvimento de uma grande ameaça que força os Heróis à se
unirem . No geral, são histórias bem definidas, que partem de uma origem para
um clímax e uma conclusão redefinidora. Esse foi o arquétipo desenvolvido pela Marvel
e que boa parte do público gostou. Aqui,
entra o segundo aviso: Não é por esse ser o estilo mais utilizado no MCU que
ele seja o único possível. Ora, o que isso quer dizer? Uma história de
Super-Heróis pode ser contada de inúmeras maneiras diferentes. E Batman VS
Superman é um exemplo. Um filme, blockbuster, mas cuja equipe produtiva
(Diretor, produtores, dentre outros) se utiliza de outros conceitos estéticos,
narrativos e de desenvolvimento/adaptação de personagens para contar uma
história e dar um pontapé no Universo Cinematográfico da DC. Nesse sentido,
pouco se configura de útil realizar uma crítica tendo como pressuposto uma
eterna comparação entre os filmes da Marvel e Batman VS Superman. São maneiras
diferentes de se adaptar e contar histórias, uma não necessariamente melhor ou
pior que a outra. É preciso um mínimo de alteridade e reconhecimento de que
existem formas distintas de se representar histórias em quadrinhos em versão
cinematográfica.
Tendo
isso em mente, os elogios ao criticado Zack Snyder devem ser feitos. Sobrou coragem para quebrar com esse
arquétipo e estabelecer novos paradigmas conceituais nos filmes de heróis. O diretor acreditou no potencial de circulação
de informações e das redes sociais e, principalmente, na popularização da
Cultura Nerd. “Deveria eu apresentar detalhadamente a origem de personagens que
já estão conhecidos a muito para o espectador?” Talvez, essa seja uma pergunta
que Snyder pensou na hora de idealizar sua obra. E para isso, ele também
acreditou num aspecto que iremos falar mais adiante: O papel ativo do
espectador na produção de sentido, até porque, não estamos mais nos anos 30 ou
40, onde a crença na ideia de uma passividade na recepção era dominante (Teoria
da Agulha Hipodérmica). Também deve ser ressaltada
a audaciosa tarefa do diretor ao basear os conceitos chaves de sua história em diversos
Hq’s clássicos. Referências ao Cavaleiro das Trevas, Injustice: gods among us, Crise
nas infinitas terras, dentre outros clássicos, são feitas em muitos momentos. Outro
ponto positivo é a idealização das cenas de luta, as quais são muito bem
produzidas e jamais perdemos de vista o que tá acontecendo. O filme poderia
apelas para uma ação frenética e supericial, mas não o faz. Entretanto, Snyder continua com o vício excessivo na
imagem, em detrimento de outros aspectos inerentes à produção cinematográfica.
Elementos estéticos que sobrepõe elementos dramatúrgicos. Um problema recorrente
em obras anteriores de Snyder , como por exemplo Homem de Aço e Sucker Punch,
que ainda persiste e prejudica totalmente o desenvolvimento de atores mais
limitados, como por exemplo, Amy Adams e Henry Cavill.
Feito
isso, algumas pontuações mais técnicas devem ser feitas: O processo de edição de
Batman VS Superman (Um filme é feito em
“Shots” individuais que depois são ordenados ) é um pouco falho. Como já foi ressaltado em grande parte das
críticas, a montagem do filme apresenta erros, sendo o principal a perda de ritmo em momentos chaves
do filme. Ora, mas e a narrativa
confusa? Acredito que essas críticas estão sendo injustas e isso não faz parte
do processo de edição, mas sim em torno de conceitos e ideias diferentes. Se os
filmes da Marvel optam pelo desenvolvimento a partir de cenas fundamentais e
grandes diálogos, Zack Snyder opta por apresentar o desenvolvimento da trama de
forma diferente: Monólogos fundamentais, diálogos que se complementam ao longo da
trama, referências quase que imperceptíveis, elementos do cenário e, principalmente,
a ausência de uma linearidade simples da narrativa. Enfim, conceitos e ideias
diferentes sobre o desenvolvimento do filme. Um verdadeiro Fan service. Deve aqui ser reforçado um ponto antes dito: A
crença no papel ativo do espectador e no seu conhecimento prévio sobre os personagens.
As ideias não estão dadas de maneira simples e direta, cabe ao espectador produzir
sentido a partir da complexidade e não-linearidade posta e, obviamente, aqueles
que possuem mais familiaridade com o universo da DC, terá mais facilidade nessa
produção.
Partindo
para a análise do roteiro, se deve afirmar que as produções de entretenimento
não surgem do nada, pelo contrário, elas possuem total inserção na circulação
de ideias da sociedade em que são produzidas. Isso não quer dizer que a
realidade condicione a produção, existem mediações criativas, por exemplo, a
ficção. Pegando esse gancho, temos um
roteiro que, sob uma perspectiva mais universalizada, levanta um importante
debate típico do pós 2001: As oposições e fronteiras entre Justiça, controle,
segurança e liberdade tendo como foco o antagonismo dos personagens em relação
à seus métodos. Uma cena emblemática
capaz de demonstrar esse debate é a sequência de imagens envolvendo salvamentos
realizados pelo Superman seguidos por debates envolvendo políticos e outras
personalidades sobre a dimensão e os perigos que o filho de Krypton pode
causar. Os discursos da Senadora Finch também assumem esse sentido.
De
um ponto menos universal, temos o filme dividido em alguns atos: O primeiro
deles é a apresentação dos personagens e suas motivações iniciais, como por
exemplo, a cena envolvendo o assassinato de Thomas e Martha Wayne ( uma das
mais belas cenas do filme) , os incidentes em Metropolis sob a perspectiva de
Bruce (apontando para o início do antagonismo entre os heróis) e a trama
envolvendo o Homem de Aço e uma organização terrorista na África . Nesse
momento, Terrio e Goyer se preocupam em introduzir Lois Lane, Superman, Lex
Luthor e Batsy/Bruce, apresentando narrativas aparentemente separadas mas que
se conectam em diversos pontos depois desenvolvidos. O segundo ato é o
desenvolvimento desses personagens dentro da discussão levantada no parágrafo
anterior: Um deus – Superman – em questionamento e suscetível a falhas e um
Batman sendo questionado pelos seus métodos violentos. É justamente nessa parte
que a figura de Lex Luthor, grande articulador das principais tramas do filme, começa a se sobressair. Por fim, temos o conflito entre os dois heróis
e a criação de Apocalypse que leva à união da Trindade para combater essa
ameaça e seus desdobramentos. Além
disso, observamos também à introdução da temática dos “Meta-humanos” com as
aparições do Cyborg, Aquaman e Flash, o desenvolvimento de Lex como vilão e o
clímax do conflito entre os dois heróis com a trama envolvendo a mãe de Clark,
Martha. É preciso ressaltar que mesmo não sendo o foco do filme, o passado dos heróis
está presente em inúmeras referências, em diálogos, em itens dos cenários, entre
outros. A história e as experiências existem, mas não são temáticas centrais
desse filme.
No
entanto, o roteiro tem alguns problemas: Se em aspectos mais gerais ele
funciona com maestria, nas ligações entre os atos ele é falho e se torna um
pouco forçado com alguns furos, como por exemplo, o desenvolvimento da trama do
Lex Luthor e de Martha bem como também o acelerado e falho desenvolvimento da
trama envolvendo Lois Lane, Luthor e o
Homem de Aço. Outras coisas ficam mal explicadas, como por exemplo, o incidente
na África envolvendo Superman. Se pode falar também do excesso de material que
no final se apresenta como algo desnecessário. Soma-se a isso a busca por
soluções simples. Apesar desses pequenos
furos, diferentemente do que grande parte da crítica vem apontando, as
motivações para o conflito entre os dois heróis é extremamente coerente e
compreensível ao termos em mente o antagonismo nos sentidos e percepções do que
é justiça para os dois heróis.
Dito
isso, nesse encaminhamento final da crítica iremos falar um pouco sobre as
atuações dos atores e a construção dos personagens, algo que será feito de
forma mais sucinta. Baseando seu conceito no Batman de Frank Miller, temos a
representação mais fiel de uma versão – foco na palavra versão – de um Batman
no cinema: Ele é detetive, os gadgets são bem explorados,a dimensão psicológica
é apresentada e sua violência sádica é
muito bem representada. E não há muitas dúvidas de que a violência e as noções
de segurança e justiça do Batman de Snyder são consequências diretas dos
traumas vividos por Bruce. Somando-se à
primorosa construção conceitual do personagem, a atuação de Ben Affleck é boa. A segurança em si mesmo, a desconfiança
constante, os traumas de uma vida conturbada e o sadismo violento são bem
interpretados por Ben Affleck , marcando seu Batman como o melhor das
adaptações no cinema . No apoio ao Morcego, temos uma proposta de Alfred um
pouco distinta do que vinha sendo adaptado ao cinema: Alfred não é mais um
mordomo, mas sim um assistente de Batman na luta contra o crime. Ao invés de
carregar taças e dar conselhos fraternais, Alfred pilota o Batwing e ajuda em
investigações. Essa distinta abordagem é potencializada pela boa atuação de
Jeremy Irons que também funciona como um desvio cômico.
Outro
consenso gira em torno da atuação de Gal Gadot e do desenvolvimento da
Mulher-Maravilha. Ela não é jogada no filme. Desde o início, existe a
preocupação em garantir uma profundidade da personagem como também o seu envolvimento
com a trama: Sua inserção se dá em torno da busca por arquivos que Lex Luthor
possui e que Bruce também está atrás. Narrativas de personagens diferentes com
motivações diferentes mas que se entrelaçam em torno de Lex Luthor e começa a
dar início à construção do relacionamento entre os heróis. No que diz respeito à Gal Gadot, a atuação foi
emblemática: A força da guerreira amazonas foi perfeitamente explorada e representada pela atriz. Assumo que fui
contra a escolha da atriz, mas me surpreendi, bastante.
Ao
falar de Cavill não podemos deixar de ter em mente sua atuação anterior. É nítido
o amadurecimento do ator e a evolução de sua atuação como Superman, até porquê,
dessa vez, o personagem é bem mais trabalhado e complexificado: Um deus que é
colocado em cheque pela sociedade. Cresce
o personagem, cresce o ator. O mesmo
também pode ser dito sobre a atuação de Amy Adams como Lois Lane. A personagem
ganha complexidade e ganha também um papel mais destacado na trama, fazendo com
que Amy Adams tenha mais capacidade de explorar seu potencial artístico. No
entanto, ambas as interpretações estão abaixo do que o restante do elenco foi
capaz de proporcionar. Henry Cavill e Amy Adams apesar de terem evoluído se
formos considerar suas ultimas atuações, ainda são burocráticos demais e com
uma enorme dificuldade de transmitir emoção e destoam do restante do elenco.
O
grande destaque do filme é Lex Luthor, seja pelo papel atribuído a ele pelo
roteiro, seja pela brilhante atuação de Jesse Eisenberg. O conceito caótico
apresentado para Lex junto com a profundidade psicológica do personagem o
tornam um vilão excepcional para o filme. A construção do personagem é complexa
e bem delicada. As megalomanias são extremamente bem representadas em monólogos
e cenas marcantes, como por exemplo ao forçar um deus a se ajoelhar sobre seus pés.
As diferentes formas de se expressar facialmente somados aos trejeitos e
posturas corpóreas só reforçam essa excêntrica versão do personagem bem como
a atuação do ator. Sua
trama e seus planos representam perfeitamente as ambições de um narcisista
adepto do caos. Um jovem que viveu um passado
traumático com o seu pai, se vê abandonado por Deus e agora vê no Homem de Aço
a figura divina que deve pagar pelos traumas que sofreu. A fragilidade do homem
versus a imponência e sacralidade de um Deus (reforço aqui a maneira estética
extremamente sacra que Snyder trabalha o Superman) que é colocado em julgamento
e descrédito tendo seus elementos de divindade e sacralidade sendo questionados
até ter sua redenção ao se sacrificar para derrotar Apocalypse enfiando uma
lança de Kryptonita em seu peito.
No
Geral, temos em Batman VS Superman um filme
que marca um paradigma nas produções relacionadas à super heróis apresentando
um arquétipo e conceitos totalmente diversos do consolidado pela Marvel, o que
justifica a intensa quantidade de críticas negativas que sofre. A profundidade
psicológica explorada nos personagens humaniza as relações e impõe limites e
contradições até mesmo para um deus. Se
formos compreender como um filme com um fim em si mesmo, ele funciona bem
(Poderia funcionar melhor caso não fosse os deslizes do roteiro e as soluções
um pouco simplórias, como por exemplo, a trama com Martha que leva ao conflito
entre os dois). No entanto, ao considerarmos como um pontapé inicial para a
construção do Universo DC nos cinemas o filme se torna ainda mais bem sucedido,
pois consegue inserir e apresentar de maneira clara discussões que podem – e vão
– ser retomadas com também apresenta de maneira direta o embrião para o
desenvolvimento da Liga da Justiça.
Escrito por:
Edworld Adventure - Sou um dos integrantes desse blog de nome
excêntrico e até um pouco sem graça. Diferente dos outros colunistas, vulgo
meus amigos, sou o único que possuo vida para além dos limites de meu sofá.
Apaixonado por Star Wars, teatro e cinema, sou estudante de História. Assim
como o restante, os atrativos de uma vida adulta me parecem muito chatos. Resumo
minha existência em uma frase: "I could have been a contender instead of a
bum, which is what I am - Let´s face it"